quarta-feira, maio 22, 2013

É preciso gastar mais? Essa é a única solução?


O Grêmio vive um ciclo estranho nos últimos anos. O time até chega perto, mas não conquista os troféus importantes. Isso cria uma compreensível angustia na torcida. O problema é que parte da torcida aproveita cada insucesso para pregar a tese de que "ninguém serve, ninguém presta, é preciso contratar mais". E não raro essa tese ganha adeptos entre os dirigentes do clube.

A adoção de tal diagnóstico implica em dois problemas. O primeiro, que já tratei em outro post, é a falta de continuidade, falta de sequência no trabalho de futebol. O segundo, é que contratações implicam em um sério dispêndio financeiro. E é esse o ponto que acho importante abordar.

Não é segredo para ninguém que o Grêmio contratou bastante para 2013. É razoável de se supor que essas contratações implicam em um maior investimento de capital por parte do clube. Vi poucas manifestações da atual diretoria sobre o tema. O assunto foi tratado em uma reunião do conselho deliberativo, mas não acho que caiba a mim abrir estes números aqui. Contudo, acho que é possível extrair alguma informação das manifestações públicas dos membros do conselho de administração.

Nestor Hein falou rapidamente sobre o tema em um programa da TVCOM no último domingo. E, no final de março, Renato Moreira explicou a motivação de alguns gastos em entrevista a Rádio Gaúcha. Abaixo disponibilizei o áudio e transcrição apenas dos trechos em que o assunto "gastos com futebol" foi abordado:




TIME COMPETITIVO X CUSTOS
"Que o Grêmio cumpra com seus compromissos e mantenha o nível de qualidade da sua equipe, para que possa participar de uma Libertadores como está participando, com chances de vitória, para que possa jogar um Campeonato Brasileiro com chance de vitória. Não nos interessa nos apequenarmos para tentar não cair no Brasileiro ou para não ir muito além na Copa Libertadores. É essa a preocupaçao que nós temos. Lamento que o presidente Odone tenha omitido esse fato. Não entendi a razão."
 
[...]

AUMENTO DE GASTOS
"Claro que acresceu um pouco a folha em relação ao que o Grêmio gastava no ano passado. Tivemos que fazer contratações: Barcos, Vargas, Welliton, André Santos, para citar algumas estrelas, e disputar uma Copa Libertadores em condições de vencê-la. O Grêmio não pode encerrar a disputa sem jogador para ter no banco. Óbvio que há um pequeno acréscimo, mas é inferior ao que a gestão passada implementou em face à gestão anterior." (Zero Hora - 25 de março de 2013 )


A diretoria deve ter poder de decisão, de saber administrar os recursos para fazer as escolhas que entende serem adequadas. Mas é esse o ponto. Tratam-se de escolhas. Não consigo concordar com esse argumento de que os reforços são imposições. "TIVEMOS que fazer contratações" me soa um tanto exagerado.

O Grêmio tinha um time bem razoável em 2012. Na Copa do Brasil e na Sulamericana a eliminação não se deu contra equipes mais qualificadas que a nossa (muito antes pelo contrário). No Brasileirão não foi o confronto direto com as equipes de cima da tabela que determinou a perda do título. Diante disso, fica a pergunta. Era realmente NECESSÁRIO que fossem feitos acréscimos a equipe?

Também não consigo aceitar o raciocínio de que não contratar implica em se apequenar. Não vejo o futebol dessa forma. E ainda que se leve em conta esse argumento é preciso fazer uma reflexão. O time cheio de contratações de 2013 foi eliminado na mesma fase do que o time de 2011 (do tão criticado Lins). Se foram contratações que faltaram há dois anos, o que faltou dessa vez?

E por isso que não concordo muito com o que se tem dito sobre a política de investimentos no futebol. Gastar mais pode ser uma solução válida. Talvez seja a primeira a ser cogitada, talvez seja a mais óbvia, mas certamente não é a única maneira de se montar equipes competitivas.

Acho importante deixar um exemplo disso. Abaixo transcrevo trecho de duas reportagens da Placar do primeiro semestre de 1983. Nelas fica evidenciado que o Grêmio gastou/investiu menos naquele temporada do que tinha investido no seu time do ano anterior. E isso de maneira alguma resultou em apequenamento ou em eliminações precoces. Todos nós sabemos como foi feliz o final daquele ano para a torcida tricolor.



"O Grêmio desfaz-se de quatro de suas superestrelas - Leão, Batista, Paulo Isidoro e Baltazar - e, em troca, traz apena uma: Tita. O Inter abre mão do líder de sua equipe - Cleo - e não faz nenhuma contratação de vulto. Ao mesmo tempo, ambos estabelecem rígidos tetos salariais. O do Grêmio é de 2,7 milhões mensais, entre luvas e ordenados, e só é alcançado por De León. O do Inter, inferior ao do Grêmio em 1 milhão, abriga apenas Benitez, Mauro Galvão e Edevaldo.
Que é isso? É a recessão chegando ao futebol gaúcho.
Essa tenebrosa palavrinha encaixou-se com naturalidade no vocabulário dos dirigentes dos dois maiores clubes do sul, que exibiam, até 1982, o orgulho de serem os recordistas brasileiros em contratações e o de possuírem as mais gordas folhas de pagamento do país. "Ou caíamos na realidade ou desabávamos no precipício", declara Alberto Galia, 50 anos, um bioquímico e comerciante guindado à vice-presidência de futebol justamente por sua mágica atuação no departamento de finanças.

[...]

Este ano, como se os dois estivessem sob controle do FMI, as curvas dos gráficos se inverteram. O Grêmio gastou apenas 110 milhões (Osvaldo, Róbson, Lambari e César, ex-Benfica) dos 330 recebidos nas vendas de Paulo Isidoro e Batista. Colocou Leão à venda por 60 milhões e, se trouxe Tita por empréstimo, precisou emprestar Baltazar ao Flamengo.

[...]

Quer dizer, a situação é desoladora. "Assim, como podemos gastar mais do que Rio e São Paulo, se faturamos muito menos do que eles?", pergunta Galia. E revela: "O Tita ficou satisfeitíssimo com um salário bem inferior ao que o Baltazar estava pedindo" (Divino Fonseca - Revista Placar nº 663 - 04 de fevereiro de 1983)




"A contençao de despesas, decretada a partir de um sentido encontro no início do ano dos presidentes Koff e Dallegrave na sede da federação, é uma das razões da crise. Não se diminui investimento em futebol sem que, de algum modo, este fato se expresse no campo. O Grêmio expressou mais: desfez-se de Paulo Isidoro por 120 milhões à vista, de Batista por um número não determinado mas de quase 200 milhões, e facilitou a saída de Leão para o Corinthians por um pouco mais do que havia gastado para comprá-lo do Vasco três anos atrás. Ficou apenas com Hugo de León, que lhe custou uma renovação de contrato cara, mas o zagueiro era o único que, por consenso no Grêmio, não poderia sair.

O Grêmio teve de lidar, reconheça-se, com necessidades financeiras (esses jogadores eram caros e ficariam ainda mais caros com as renovações de contratos, todas calculadas a partir do dobro do salário e das luvas) e como necessidades, digamos, pessoais. Paulo Isidoro, Batista e Leão, por razões diferentes, estavam em dissidência com o clube, com setores da torcida ou da imprensa. Em substituição, o Grêmio tratou de gastar menos e recompor o time: Baltazar, sem ambiente no clube e na torcida, foi trocado por Tita, do Flamengo, Osvaldo foi comprado por 70 milhões à Ponte Preta, César foi encontrado na reserva do Benfica de Lisboa, e os demais vieram do interior do Estado: Róbson, do Inter de Santa Maria, Lambari, do Esportivo de Bento Gonçalves, Silmar do São Borja. E Remi, reserva de Leão e, antes, há quase dez anos, de Cejas, Walter Corbo e Manga, pela ordem, foi efetivado como titular" (Ruy Carlos Ostermann - Revista Placar nº 672 - 8 de abril de 1983)

Me parece que o questionamento de Alberto Galia segue atual. Será que podemos gastar mais? Será que é esse o nosso principal diferencial competitivo?

3 comentários:

Guilherme Schmidt disse...

Oi André,

Escrevo nem tanto para dar minha opinião sobre o teu artigo, mas para parabenizar pelo teu blog. De todos que leio, é um dois poucos que foge da mesmice de "Fora Luxa, Fica Luxa", "Tem que trocar tudo" ou "Estes jogadores não tem a cara do Grêmio".

Gosto do teu texto, dos dados, da pesquisa histórica. Realmente impressionante, ainda mais contando o trabalho que deve dar para fazer tudo isso, de graça, por prazer (imagino).

Obrigado, Abraço,

Guilherme

Ricardo disse...

Como o Guilherme mencionou acima, tu merece ser parabenizado pelo excelente blog, de opinião sensata e que busca embasamento em dados e informações concretas para realizar os apontamentos.

Mas gostei especialmente deste texto. Sendo uma pessoa "pão dura", achei um certo exagero o gasto com contratações nesta temporada, principalmente por parecer ter sido feito como uma aposta em uma caminhada mais longa na Libertadores, ao invés de uma estrutura financeira prévia. E essa aposta é, na minha opinião, muito ariscada pelo peso das contratações realizadas.

Não tenho ideia de como esta a situação financeira do clube, mas acho que em um planejamento a médio prazo deveria haver maior ponderação a respeito dos gastos realizados. Parece que nenhum dirigente quer fazer um planejamento a longo prazo apenas para não deixar os resultados aparecerem na gestão de seu rival político, e no meio da briga fica o clube.

Unknown disse...

Com certeza o diferencial competitivo é o objetivo a ser conquistado...o foco...a vontade de vencer e não contratar um monte de jogadores sem colocar na cabeça deles a filosofia do clube..chegam, entram e jogam, simples assim como um funcionário publico a cada dia de trabalho, não há a vontade a gana de um grupo em ser diferente, em fazer história...se ganhar ganhou..beleza, o importante é a grana na conta no final do mes...o pensamento é "fiz meu trabalho bem feitinho e tá beleza"...abraços